Por Ariana Anari Gil
O
combate aos maus-tratos aos animais, está inserido no Direito dos Animais que é
o ramo do direito que reconhece os animais sujeitos de direitos, seres
sencientes, dotados de natureza biológica e emocional passíveis de sentimento,
com reflexo no direito penal, processual penal e ambiental.
Os maus-tratos aos animais está
tipificado como crime na Lei de Crimes Ambientais 9.605/98 em seu artigo 32,
bem como, consubstanciado no artigo 225, § 1º, inciso VII da nossa Constituição
Federal, que veda, práticas de crueldade, face aos animais.
Artigo
32 da Lei 9.605/98:
Art.
32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres,
domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena
- detenção, de três meses a um ano, e multa.
§
1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em
animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem
recursos alternativos.
§
1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas
no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5
(cinco) anos, multa e proibição da guarda. (Incluído pela Lei
nº 14.064, de 2020)
§
2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
Artigo
225 da CF/88:
Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes
e futuras gerações.
§
1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
VII - proteger a
fauna e a flora, vedadas, na forma
da lei, as práticas que coloquem em
risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os
animais a crueldade. (grifo nosso).
O artigo 225, § 1º, inciso VII da
Constituição Federal, ganhou destaque como diretriz constitucional protetiva
aos animais, no ano de 2016, quando a nossa Suprema Corte, julgou
inconstitucional a Lei 15.299/2013, do estado do Ceará, que pretendia
regulamentar a vaquejada como prática desportiva e cultural no estado, dando aplicação
e efetividade ao artigo supra, como norma autônoma protetiva aos animais, que
veda de forma expressa a crueldade.
Ou seja, a nossa Suprema Corte, deu
um basta na cultura especista, que “possibilitava” ao ser humano, ter uma
relação de domínio e poder sobre o animal, acostumado da ideia ilegítima de que
o mesmo poderia explorar outros seres, por vezes, com tortura e barbárie, fato
que fez com que Juristas Brasileiros travassem debate massivo sobre os Direitos
dos Animais, inclusive, a decisão da Suprema Corte é precedente em questões
envolvendo o combate aos maus-tratos aos animais, no Judiciário brasileiro.
Infelizmente o ser humano insiste na
condição equivocada de exploração animal, e assim, ocorreu na situação fática processo
0001432-34.2017.8.26.0495.
Na
cidade de registro, dois acusados, colaboradores de um sítio de criação de búfalos,
combinados entre si, no intuito de aproveitar da carne dos animais,
apropriaram-se de 4 (quatro) búfalos, na condição de maltratá-los. Os acusados
levavam os animais do pasto até uma lagoa onde atolavam, e então sob o manto de
“salvamento”, amarravam uma corda no pescoço dos animais, que era puxada por
trator até que os animais falecessem em razão da quebra do pescoço, após a
morte dos animais, os acusados apropriavam-se da carne dos animais, razão pela
qual, foram os acusados denunciados por maus-tratos, abuso e ferimento aos
búfalos tipificado no artigo 32 da Lei 9.605/98, por 04 (quatro) vezes (número
de vítimas) e apropriação indébita artigo 168 § 1º, inciso III do CP.
Que, não foi realizado perícia
judicial, a fim, de constatar os maus-tratos/abuso/ferimento aos animais, o que
não impossibilitou a condenação, vez que, a 3ª Vara do Foro de Registro/SP na
r.sentença de primeiro grau, entendeu que a materialidade e autoria delitiva
estavam comprovadas tendo em vista os Relatórios de Investigação, Registro de
Empregado e Fotos, bem como com as oitivas em sede policial e em juízo.
Que, a defesa dos acusados,
apresentou recurso (apelação) sobre a argumentação da imprescindibilidade da perícia judicial para corroborar o crime de
maus-tratos/abuso e ferimento aos animais.
Contudo, em análise e aplicação
minuciosa da legislação de regência sobre os maus-tratos aos animais, e, olhar
protetivo à vida animal, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, entendeu ser dispensável a perícia judicial,
vez que, para os tipos descritos no art. 32 da Lei 9605/98, a consumação se
dará pela prática efetiva da ação ou omissão de abusar, ferir, mutilar ou
praticar maus-tratos em face aos animais, não estando os tipos penais,
subordinados à conclusão pericial, até porque, o juízo de valor compete ao
magistrado, a não ao perito, abaixo ementa do v.acórdão:
Ementa
do v.acórdão:
Apelação.
Maus-tratos e apropriação indébita em continuidade delitiva. Recurso das
defesas. 1. Preliminar. Pleito objetivando a intimação da Defensoria Pública
para manifestação após a apresentação do parecer ofertado pela Procuradoria de
Justiça. Descabimento. Inexistência de previsão legal. A atuação do Ministério
Público em Segunda Instância cinge-se à condição de fiscal da ordem jurídica e
não como parte na relação processual de modo que o parecer apresentado pela
Procuradoria não é qualificado como ato da parte. Inexistência de violação às
garantias do contraditório e da ampla defesa. Precedentes do STJ e do TJSP. 2.
Mérito. Materialidade demonstrada pela
prova oral. Alegação de inexistência de laudo pericial comprobatório dos
maus-tratos. Não acolhimento. A expressão "maus-tratos" representa
elemento normativo do tipo penal cabendo ao magistrado, e não ao perito,
avaliar a sua ocorrência no caso concreto. 3. Materialidade e autoria
delitiva comprovadas. Acusados que se aproveitaram de que alguns búfalos
pertencentes à vítima atolavam em um lamaçal e tracionavam os animais mediante
o uso de uma corda amarrada em seu pescoço causando sua morte. Apropriação da
carne do animal pelos réus. Declarações firmes prestadas pela vítima as quais
foram corroboradas pelo depoimento prestado pelo investigador de polícia.
Depoimento de testemunha presencial que confirmou os maus-tratos e a
apropriação da carne. Versões inconsistentes apresentadas pelos acusados. 4.
Pleito invocando a atipicidade formal do crime de maus-tratos. Alegação de que
búfalo não é animal silvestre, exótico, doméstico ou domesticável.
Descabimento. Através de sua domesticação, por meio da interação com o ser
humano, o bovino passou a nutrir vínculos de dependência com a espécie humana a
ponto de caracterizá-lo como animal domesticável e usufruir da tutela penal
prevista pelo art. 32 da Lei de Crimes Ambientais. 5. Crime de apropriação
indébita. Corréu que não exercia a posse ou detenção dos animais. Aplicação da
teoria unitária prevista pelo art. 29 do Código Penal pelo qual todos aqueles
que colaboram para a prática delituosa responderão pela mesma infração penal.
6. Imposição da causa de aumento prevista pelo art. 168, §1º, III, do Código
Penal ao corréu que não possuía vínculo de emprego com a vítima ao contrário de
seu comparsa. Circunstância de caráter pessoal incomunicável no concurso de
agentes. Aplicação do art. 30 do Código Penal. 7. Dosimetria. Aplicação da
agravante do meio cruel ao crime de maus-tratos. Configuração de bis in idem.
Circunstância que não ultrapassou a reprovabilidade já prevista pelo legislador
no tipo fundamental. Causa de aumento prevista pelo art. 30, §2º, da Lei de
Crimes Ambientais. Imposição de aumento no patamar máximo desprovido de
fundamentação. Redução para o patamar mínimo de 1/6. 8. Reconhecimento da
continuidade delitiva. Necessidade de utilização frações sucessivas de acordo
com a quantidade de infrações penais praticadas. Precedentes do STJ. Redução do
patamar de aumento para 1/4. 9. Regime aberto mantido. Substituição da pena
privativa de liberdade por duas restritivas de direitos. Redução da prestação
pecuniária para o valor de 1 salário-mínimo. 10. Fixação do valor do dia-multa
em 1/3 do maior salário-mínimo. Inexistência de dados concretos que apontem
condição financeira favorável. Redução para o valor mínimo legal. 11.
Estabelecimento do valor mínimo para indenização dos danos causados pela
infração penal. Insuficiência de provas que apontem para o valor de cada
bovino. Ausência de auto de avaliação. Estimativa dada pela vítima sem qualquer
outro elemento probatório que embasasse os valores indicados. Pedido que deverá
ser mais bem avaliado perante o juízo cível competente o qual dispõe de
melhores condições para a aferição do prejuízo suportado pelo ofendido. 12.
Recursos parcialmente providos.
(TJSP; Apelação Criminal 0001432-34.2017.8.26.0495; Relator
(a): Marcos Alexandre Coelho Zilli; Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito
Criminal; Foro de Registro - 3ª Vara; Data do Julgamento: 12/02/2021; Data
de Registro: 12/02/2021) (grifo nosso).
Assim, no caso concreto, a prova
oral bastou para condenação pelo crime de maus-tratos/abuso e ferimento, com
pena aumentada em 1/3, devido ao óbito dos animais, embora a defesa dos
acusados, tenha pugnado pela absolvição, por entender que a materialidade do
delito não estava comprovada, pela falta de exame pericial, a 16ª Câmara de
Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, ratificou a decisão de
primeiro grau, pela dispensabilidade no caso concreto da prova pericial.
Abaixo trecho do v.acórdão:
“...
A materialidade delitiva foi comprovada pela prova oral. Nesse sentido, não se
sustenta a versão apresentada pela defesa de que para a comprovação dos
maus-tratos seria imprescindível à realização de exame pericial. Afinal a,
expressão “maus-tratos” representa elemento normativo do tipo penal cabendo ao
magistrado, e não o perito, avaliar a sua ocorrência no caso concreto. Nesse
sentido, aliás, já se manifestou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
PENAL.
CRIME AMBIENTAL. ESPÉCIME EM EXTINÇÃO. AVES DA ESPÉCIE ANODORHYNCHUS
HYACINTHINUS. ARARA AZUL. IBAMA. ATIVIDADE CIENTÍFICA E NORMATIVA. CONSERVAÇÃO
DA BIODIVERSIDADE BRASILEIRA. COMPETÊNCIA FEDERAL. RECEPTAÇÃO. NÃO
CONFIGURAÇÃO. ARTIGOS 29 E 32 DA LEI Nº 9.605/98. TRANSPORTE ILEGAL DE ANIMAIS.
MAUS-TRATOS. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PERÍCIA TÉCNICA. (...) 4. No
delito do art. 32 da Lei Ambiental, a consumação se dá com a prática efetiva da
ação ou omissão de abusar, ferir, mutilar ou praticar maus-tratos em face de
animais. 5. A norma penal não subordina o significado de maus-tratos à
conclusão pericial, uma vez que não cabe ao expert cotejar juízo de valor sobre
o seu significado, mas sim ao julgador. À perícia técnica impende apenas
informar as condições em que estava a espécime no momento em que foi
encontrada. (TRF4, Apelação Criminal 2005.71.00.040396-0, OITAVA TURMA, Relator
PAULO AFONSO BRUM VAZ, D.E. 11/04/2007)
Na
hipótese dos autos, a materialidade e a autoria delitiva foram comprovadas pela
prova oral...”
Como se vê, a
Jurisprudência supra do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pela
dispensabilidade de perícia judicial para condenação pelo crime de maus-tratos/abuso
e ferimento, bastando a prova oral, servirá como exemplo para decisões à casos
análogos, e teses jurídicas, além de representar consolidação no Direito dos
Animais, no que diz respeito ao combate aos maus-tratos aos animais.
Militantes do Direito dos Animais,
diariamente apresentam teses jurídicas sobre a necessidade de aplicação e
efetividade da legislação em vigor, num olhar de proteção à vida dos animais, entendimento,
que algumas vezes diverge dos penalistas brasileiros, principalmente os com
visão antropocentrista.
A decisão do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, representa avanço inegável no combate aos maus-tratos aos
animais, primeiro pela dispensabilidade da prova pericial, o que possibilita a
persecução penal, nos casos em que há outros meios de prova (prova oral,
fotos), segundo pela aplicação do artigo 32 da Lei 9.605/98, por vítima, ou
seja, tratando-se de quatro búfalos os acusados foram denunciados com incurso
04 vezes no artigo supra.
A reprimenda do crime de maus-tratos/abuso/crueldade
e ferimento, com condenação dos agressores é de suma importância para o combate
aos maus-tratos aos animais, que inclui ferir, mutilar, abusar, animais silvestres,
domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. O ser não-humano deve ser
tutelado pelo Direito Penal, em função de si próprio, em função de ser sujeito
de direito, ser não-humano que possui o direito de viver, enquanto ser vivo
senciente.
Decisão
extraída do processo 0001432-34.2017.8.26.0495, data da publicação 12/02/2021.