Por: Ariana Anari Gil
Advogada
OAB/SP 221.152
Com
a expansão habitacional e o desenvolvimento territorial, unidos em busca de
segurança, os brasileiros cada dia mais tem optado por morar em condomínio ou associações de
moradores.
Destarte
o Brasil atualmente consagra a família multiespécie, família formada por seres
humanos e seres não-humanos como membros de família, uma “nova” realidade que
está sendo acolhida pelo Direito, principalmente pelo Direito de Propriedade e
de Família.
Ocorre
que, diversos condomínios e associações de moradores não se prepararam para esse novo
conceito familiar, o que está ocasionando verdadeira “guerra”, entre condôminos e associados, e, por vezes com o próprio condomínio ou associação;
Fato
é que, após vários casos fáticos de “guerra” envolvendo a convivência entre
seres não-humanos e seres humanos chegar ao conhecimento do Judiciário no ano
de 2019 o STJ decidiu que é proibido proibir de forma absoluta e genérica a
presença e permanência de animais de estimação nos condomínios, porém, é
preciso regras de convivência para assegurar o direito de todos, principalmente
ao tripé, sossego, segurança e higiene.
Afinal,
a Constituição Federal assegura o direito de propriedade livre a todos, na qual
o proprietário ou possuidor pode usufruir de seu imóvel como melhor lhe convém,
inclusive sendo a casa local inviolável do indivíduo, direito constitucional disciplinado
pelo Código Civil, a fim, de buscar a convivência pacífica entre todos, através
do respeito mútuo.
Nessa
perspectiva, traçar regras a fim de regulamentar a permanência e trânsito de
animais de estimação em condomínios e associações é imprescindível, pois a
omissão daquele que administra poderá acarretar negligência do próprio
condomínio ou associação em caso de dano, inclusive podendo ser responsabilizado
de forma solidária com o tutor de animal de estimação que não tenha exercido a
guarda responsável de animal de estimação
Afinal
não podemos ignorar que, ao proprietário e/ou possuidor é assegurado o direito
de permanência do animal de estimação na sua unidade, porém o uso da
propriedade não pode ser realizada de forma nociva, a fim de assegurar o tripé sossego,
saúde e segurança, aos seres humanos e aos seres não-humanos, afinal,
infelizmente seres humanos e seres não-humanos estão sofrendo por situações que
poderiam ser evitadas com a guarda responsável de animal de estimação e
fiscalização eficiente de quem possui a obrigação, vejamos
Atualmente
não é incomum nos depararmos com manchetes de jornais e TV, de que animais e/ou
seres humanos foram atacados por animais dentro dos condomínios ou associações,
causando lesão e nos casos mais graves óbito.
Primeiramente
importante destacar que o animal que ataca NÃO TEM CULPA, o animal geralmente
ataca por algum motivo, a culpa é do tutor do animal, que permite a circulação do
mesmo nas áreas comum sem guia e sem coleira.
Tema
de extremo debate, vez que alguns tutores entendem que se o seu animal for
dócil, porte pequeno, não apresentar agressividade poderá trafegar na área
comum sem guia, o que está totalmente equivocado, o uso da coleira e guia é segurança
para o próprio animal, e deve ser obrigatório o uso na área comum, em todo
condomínio e associação.
Mas,
verdade seja dita, animal com guia e coleira, conduzido por pessoa maior e
capaz, dificilmente irá atacar, seja outro animal, seja o ser humano.
Ocorre
que, condomínios e associações de moradores não tem tratado o tema com as
minúcias necessárias, uns não regulamentaram regras para permanência e trânsito
de animais na área comum, e outros apesar de ter regulamentado não estão
fiscalizando, o que pode causar responsabilidade solidária com o tutor do
animal em caso de dano à terceiro, vejamos:
O artigo 936 do Código Civil é claro
ao afirmar que:
Art.
936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não
provar culpa da vítima ou força maior.
Ou
seja, responde de forma objetiva o tutor do animal, que não exercer a guarda responsável
de seu bichinho;
Pois
bem, tratando-se de condomínio ou associação poderá responder de forma
solidária com o tutor do animal, caso fático ocorreu em um condomínio no
município de São Paulo;
Uma
cachorrinha chamada Titi da raça Yorkshire perdeu sua vida por ataque de cão na
área comum do condomínio e seu “irmão” Thor sem raça definida sofreu vários
ferimentos;
Fato
é que, Titi e Thor passeavam com seu tutor na área comum do condomínio quando
foram surpreendidos com o ataque de um cão de porte médio que adentrou
rapidamente a área comum do condomínio, pois estava sem guia;
Segundo
relato dos autos, o animal já havia histórico de agressividade com outros
animais e pessoas, porém seu tutor apesar de ter sido multado, não mudou o
hábito de passear com o animal sem guia.
Ademais
na circular do condomínio em questão foi regulamentado que “o dono deve levar o
animal no colo ou em um cesto. Mas se o tamanho do bicho inviabilizar esse tipo
de transporte, é imprescindível o uso de coleira segura”, porém o condomínio se
manteve inerte ao permitir que o cão adentrasse o condomínio desacompanhado de
seu tutor, solto e sem guia;
Inconformados
os tutores (2) de Titi e Thor propuseram demanda pleiteando reparação à Título
de Dano Moral e Material face ao tutor do animal que atacou e ao condomínio.
A
ação foi julgada procedente reconhecendo a falha do tutor do animal na guarda
responsável, pois se o animal estivesse com guia e até mesmo com focinheira não
teria atacado, e o condomínio restou comprovado que foi negligente ao não
exercer sua obrigação de fiscalização da sua própria norma e impedir o acesso
de animais sem guia na área comum do condomínio.
Em
primeira instância tutor e condomínio foram condenados ao pagamento no valor de
R$ R$3.591,78, a ser acrescido de correção monetária a contar da data da
propositura da ação e de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da
citação, bem como indenização por danos morais no valor de R$19.800,00 para cada autor, a ser acrescido de
correção monetária e de juros de mora de 1% ao mês a contar da data desta
sentença.
Foi
apresentado recurso, e o Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a condenação
de ambos, porém diminuiu o valor da condenação à título de dano moral para R$
12.000,00 para cada autor, mantendo a sentença no mais;
RESPONSABILIDADE
CIVIL - INDENIZATÓRIA - DANOS MATERIAIS E MORAIS - Ataque de cão em Condomínio
- Procedência - Cerceamento ao direito de defesa, afastado - Incontroverso o
ataque de cão que levou à morte a cadela de propriedade dos apelados -
Ocorrência em área comum do Condomínio - Negligência do corréu Ricardo - Nexo
de causalidade direto com o fato da coisa - Inteligência do art. 936 do Código
Civil - Responsabilidade solidária do Condomínio - Dano material comprovado -
Dano moral caracterizado - Fixação indenizatória reduzida de R$ 19.800,00 para
R$ 12.000,00 a cada autor - Observância aos critérios da razoabilidade e
proporcionalidade - Recursos parcialmente providos. (TJSP; Apelação
Cível 1097475-32.2020.8.26.0100; Relator (a): Claudio Hamilton; Órgão
Julgador: 25ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 20ª Vara
Cível; Data do Julgamento: 06/09/2022; Data de Registro: 06/09/2022).
Fonte:
www.tjsp.jus.br
Como se vê, o Direito de propriedade
assegura o Direito do condômino/associado de permanência dentro da sua unidade autônoma
do animal de estimação, porém, é sua obrigação que essa permanência não
acarrete dano aos demais animais e condôminos/associados.
Assim, não pode e não deve os condomínios/associações, proibir a permanência
de animais de estimação de forma absoluta e genérica, mas é seu direito/dever
elaborar normas, para a convivência pacífica entre seres humanos e não-humanos,
a fim de resguardar o sossego, saúde e segurança de todos, em consonância a
legislação constitucional e infraconstitucional vigente, cabendo ao condomínio e
a associação a fiscalização ostensiva de suas próprias regras. Afinal só regulamentar
não adianta, é preciso mecanismos eficientes, a fim de assegurar o tripé supra
à todos, falhando o condomínio ou associação irá responder solidariamente com o tutor do animal.
Contudo importante frisar que a regulamentação do trânsito dos animais na área comum dos condomínios e associações deve conter o termo GUIA E COLEIRA.
Ademais, a ação proposta na esfera cível não impede acionar na esfera criminal e sanitária, se o caso.
Dra. Ariana Anari Gil é autora do livro Manual Jurídico - Animais em Condomínio
https://www.amazon.com.br/dp/B0B3SG637Z/ref=sr_1_2?m=A2S15SF5QO6JFU