Por: Ariana Anari Gil
Atualmente
em meio aos movimentos políticos e culturais face ao Direito Animal, torna-se
necessário o debate massivo face aos maus-tratos aos animais.
Embora
parece ser assunto corriqueiro no dia a dia do cidadão, falta conhecimento
específico às minúcias do tema, com ênfase a dois viés, o conceito de
maus-tratos aos animais existente da resolução do Conselho Federal de Medicina
Veterinária e o DEVER deontológico do profissional da medicina veterinária em
denunciar as autoridades competentes, a ocorrência de maus-tratos, vejamos:
Os
maus-tratos aos animais é CRIME previsto no artigo 32 da Lei 9.605/98 (lei dos crimes
ambientais).
Art.
32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres,
domésticos ou domesticados, nativos ou
exóticos: (Vide
ADPF 640)
Pena
- detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza
experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou
científicos, quando existirem recursos
alternativos. (Vide
ADPF 640)
§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a
pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de
reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da
guarda. (Incluído
pela Lei nº 14.064, de 2020)
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um
terço, se ocorre morte do
animal. (Vide
ADPF 640)
Não
menos importante pontuarmos que a Constituição Federal Brasileira proíbe em seu
artigo 225 a crueldade animal:
Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes
e futuras gerações.
VII
- proteger a fauna e a flora, vedadas,
na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica,
provoquem a extinção de espécies ou submetam
os animais a crueldade. (Regulamento)
Os
dois dispositivos supra, consagra o Direito Animal, o direito dos animais em
viver sem sofrimento desnecessário, os reconhecendo como sujeitos de direitos
subjetivos, sujeitos dignos de proteção jurisdicional.
Logo,
com o fortalecimento do Direito Animal, e a necessidade urgente de trata-los
como vidas que merecerem ser vividas, surge o Direito Médico-Veterinário, ramo
em ascensão que traça os Direitos e Deveres do profissional da Medicina
Veterinária, seja do (a) Médico(a)-Veterinário(a), seja do Zootecnista.
Ou
seja, o Direito médico-veterinário, consubstancia-se na legislação de regência
que traça as diretrizes para o exercício profissional, estabelecendo ao
médico-veterinário direitos e deveres, garantindo o exercício da atividade
profissional com independência e autonomia, no melhor de sua capacidade
profissional e o máximo de zelo, resguardado a garantia de autenticidade e
integridade das informações prestadas.
Nessa
perspectiva, não é incomum nos depararmos com profissionais, que por vezes
negam sua responsabilidade no combate aos maus-tratos aos animais, numa visão simplista
de que ao profissional da medicina veterinária a relação existente é entre paciente/animal,
profissional e tutor do animal, cabendo o sigilo profissional, o que não é uma
verdade absoluta, tratando-se de maus-tratos aos animais, pois os
maus-tratos/crueldade/abuso aos animais é tema de interesse da medicina veterinária,
com ênfase na medicina veterinária do coletivo (profissional da medicina
veterinária como agente de saúde e transformador social), tanto que a resolução
1.236/2018 do Conselho Federal de Medicina Veterinária em seu artigo 4º é
expressa no DEVER do profissional em evitar atos de maus-tratos, abuso e
crueldade animal no exercício profissional, bem como, deve registrar no
prontuário médico constatação ou suspeita de maus-tratos, crueldade, abuso
animal, remetendo ao Conselho Regional de Medicina Veterinária, a fim de que o
mesmo encaminhe as autoridades competentes.
Destaca-se
que, o profissional da medicina veterinária é o profissional habilitado para
reconhecer lesões não acidentais nos animais, consubstanciado no conceito de
maus-tratos/crueldade e abuso animal declinado na resolução supra, em seu artigo
2º incisos II, III e IV:
Art.
2º Para os fins desta Resolução, devem ser consideradas as seguintes
definições:
II
- maus-tratos: qualquer ato, direto ou indireto, comissivo ou omissivo, que
intencionalmente ou por negligência, imperícia ou imprudência provoque dor ou
sofrimento desnecessários aos animais;
III
- crueldade: qualquer ato intencional que provoque dor ou sofrimento
desnecessários nos animais, bem como intencionalmente impetrar maus tratos
continuamente aos animais;
IV
- abuso: qualquer ato intencional, comissivo ou omissivo, que implique no uso
despropositado, indevido, excessivo, demasiado, incorreto de animais, causando
prejuízos de ordem física e/ou psicológica, incluindo os atos caracterizados
como abuso sexual;
Contudo,
importante destacar que a mesma resolução 1.236/2018 do CFMV em seu artigo 5º,
descreve situações consideradas maus-tratos:
Art.
5º - Consideram-se maus tratos:
I
- executar procedimentos invasivos ou cirúrgicos sem os devidos cuidados
anestésicos, analgésicos e higiênico-sanitários, tecnicamente recomendados;
II
- permitir ou autorizar a realização de procedimentos anestésicos, analgésicos,
invasivos, cirúrgicos ou injuriantes por pessoa sem qualificação técnica
profissional;
III
- agredir fisicamente ou agir para causar dor, sofrimento ou dano ao animal;
IV
- abandonar animais;
a)
deixar o tutor ou responsável de buscar assistência medico-veterinária ou
zootécnica quando necessária;
V
- deixar de orientar o tutor ou responsável a buscar assistência médico
veterinária ou zootécnica quando necessária;
VI
- não adotar medidas atenuantes a animais que estão em situação de clausura
junto com outros da mesma espécie, ou de espécies diferentes, que o aterrorizem
ou o agridam fisicamente;
VII
- deixar de adotar medidas minimizadoras de desconforto e sofrimento para
animais em situação de clausura isolada ou coletiva, inclusive nas situações
transitórias de transporte, comercialização e exibição, enquanto responsável
técnico ou equivalente;
VIII
- manter animal sem acesso adequado a água, alimentação e temperatura
compatíveis com as suas necessidades e em local desprovido de ventilação e
luminosidade adequadas, exceto por recomendação de médico veterinário ou
zootecnista, respeitadas as respectivas áreas de atuação, observando-se
critérios técnicos, princípios éticos e as normas vigentes para situações
transitórias específicas como transporte e comercialização;
IX
- manter animais de forma que não lhes permita acesso a abrigo contra
intempéries, salvo condição natural que se sujeitaria;
X
- manter animais em número acima da capacidade de provimento de cuidados para
assegurar boas condições de saúde e de bem-estar animal, exceto nas situações
transitórias de transporte e comercialização;
XI
- manter animal em local desprovido das condições mínimas de higiene e asseio;
XII
- impedir a movimentação ou o descanso de animais;
XIII
- manter animais em condições ambientais de modo a propiciar a proliferação de
microrganismos nocivos;
XIV
- submeter ou obrigar animal a atividades excessivas, que ameacem sua condição
física e/ou psicológica, para dele obter esforços ou comportamentos que não se
observariam senão sob coerção;
XV
- submeter animal, observada espécie, a trabalho ou a esforço físico por mais
de quatro horas ininterruptas sem que lhe sejam oferecidos água, alimento e
descanso;
XVI
- utilizar animal enfermo, cego, extenuado, sem proteção apropriada ou em
condições fisiológicas inadequadas para realização de serviços;
XVII
- transportar animal em desrespeito às recomendações técnicas de órgãos
competentes de trânsito, ambiental ou de saúde animal ou em condições que
causem sofrimento, dor e/ou lesões físicas;
XVIII
- adotar métodos não aprovados por autoridade competente ou sem embasamento
técnico-científico para o abate de animais;
XIX
- mutilar animais, exceto quando houver indicação clínico-cirúrgica veterinária
ou zootécnica;
XX
- executar medidas de depopulacão por métodos não aprovados pelos órgãos ou
entidades oficiais, como utilizar afogamento ou outras formas cruéis;
XXI
- induzir a morte de animal utilizando método não aprovado ou não recomendado
pelos órgãos ou entidades oficiais e sem profissional devidamente habilitado;
XXII
- utilizar de métodos punitivos, baseados em dor ou sofrimento com a finalidade
de treinamento, exibição ou entretenimento;
XXIII
- utilizar agentes ou equipamentos que inflinjam dor ou sofrimento com o
intuito de induzir comportamentos desejados durante práticas esportivas, de
entretenimento e de atividade laborativa, incluindo apresentações e eventos
similares, exceto quando em situações de risco de morte para pessoas e/ou
animais ou tolerados enquanto estas práticas forem legalmente permitidas;
XXIV
- submeter animal a eventos, ações publicitárias, filmagens, exposições e/ou
produções artísticas e/ou culturais para os quais não tenham sido devidamente
preparados física e emocionalmente ou de forma a prevenir ou evitar dor,
estresse e/ou sofrimento;
XXV
- fazer uso e/ou permitir o uso de agentes químicos e/ou físicos para inibir a
dor ou que possibilitam modificar o desenampenho fisiológico para fins de
participação em competição, exposições, entretenimento e/ou atividades
laborativas.
XXVI
- utilizar alimentação forçada, exceto quando para fins de tratamento prescrito
por médico veterinário;
XXVII
- estimular, manter, criar, incentivar, utilizar animais da mesma espécie ou de
espécies diferentes em lutas;
XXVIII
- estimular, manter, criar, incentivar, adestrar, utilizar animais para a
prática de abuso sexual;
XXIX
- realizar ou incentivar acasalamentos que tenham elevado risco de problemas
congênitos e que afetem a saúde da prole e/ou progenitora, ou que perpetuem
problemas de saúde pré-existentes dos progenitores.
Como se vê, o
profissional da medicina veterinária possui papel fundamental no combate ao maus-tratos,
crueldade e abuso animal, como DEVER profissional.