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sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Conceito de Maus-Tratos aos Animais e o Direito Médico-Veterinário

Por: Ariana Anari Gil

Atualmente em meio aos movimentos políticos e culturais face ao Direito Animal, torna-se necessário o debate massivo face aos maus-tratos aos animais.

Embora parece ser assunto corriqueiro no dia a dia do cidadão, falta conhecimento específico às minúcias do tema, com ênfase a dois viés, o conceito de maus-tratos aos animais existente da resolução do Conselho Federal de Medicina Veterinária e o DEVER deontológico do profissional da medicina veterinária em denunciar as autoridades competentes, a ocorrência de maus-tratos, vejamos:

Os maus-tratos aos animais é CRIME previsto no artigo 32 da Lei 9.605/98 (lei dos crimes ambientais).

 

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:        (Vide ADPF 640)

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.       (Vide ADPF 640)

§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.     (Incluído pela Lei nº 14.064, de 2020)

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.        (Vide ADPF 640)

Não menos importante pontuarmos que a Constituição Federal Brasileira proíbe em seu artigo 225 a crueldade animal:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.         (Regulamento)

Os dois dispositivos supra, consagra o Direito Animal, o direito dos animais em viver sem sofrimento desnecessário, os reconhecendo como sujeitos de direitos subjetivos, sujeitos dignos de proteção jurisdicional.

Logo, com o fortalecimento do Direito Animal, e a necessidade urgente de trata-los como vidas que merecerem ser vividas, surge o Direito Médico-Veterinário, ramo em ascensão que traça os Direitos e Deveres do profissional da Medicina Veterinária, seja do (a) Médico(a)-Veterinário(a), seja do Zootecnista.

Ou seja, o Direito médico-veterinário, consubstancia-se na legislação de regência que traça as diretrizes para o exercício profissional, estabelecendo ao médico-veterinário direitos e deveres, garantindo o exercício da atividade profissional com independência e autonomia, no melhor de sua capacidade profissional e o máximo de zelo, resguardado a garantia de autenticidade e integridade das informações prestadas.

Nessa perspectiva, não é incomum nos depararmos com profissionais, que por vezes negam sua responsabilidade no combate aos maus-tratos aos animais, numa visão simplista de que ao profissional da medicina veterinária a relação existente é entre paciente/animal, profissional e tutor do animal, cabendo o sigilo profissional, o que não é uma verdade absoluta, tratando-se de maus-tratos aos animais, pois os maus-tratos/crueldade/abuso aos animais é tema de interesse da medicina veterinária, com ênfase na medicina veterinária do coletivo (profissional da medicina veterinária como agente de saúde e transformador social), tanto que a resolução 1.236/2018 do Conselho Federal de Medicina Veterinária em seu artigo 4º é expressa no DEVER do profissional em evitar atos de maus-tratos, abuso e crueldade animal no exercício profissional, bem como, deve registrar no prontuário médico constatação ou suspeita de maus-tratos, crueldade, abuso animal, remetendo ao Conselho Regional de Medicina Veterinária, a fim de que o mesmo encaminhe as autoridades competentes.

Destaca-se que, o profissional da medicina veterinária é o profissional habilitado para reconhecer lesões não acidentais nos animais, consubstanciado no conceito de maus-tratos/crueldade e abuso animal declinado na resolução supra, em seu artigo 2º incisos II, III e IV:

Art. 2º Para os fins desta Resolução, devem ser consideradas as seguintes definições:

II - maus-tratos: qualquer ato, direto ou indireto, comissivo ou omissivo, que intencionalmente ou por negligência, imperícia ou imprudência provoque dor ou sofrimento desnecessários aos animais;

III - crueldade: qualquer ato intencional que provoque dor ou sofrimento desnecessários nos animais, bem como intencionalmente impetrar maus tratos continuamente aos animais;

IV - abuso: qualquer ato intencional, comissivo ou omissivo, que implique no uso despropositado, indevido, excessivo, demasiado, incorreto de animais, causando prejuízos de ordem física e/ou psicológica, incluindo os atos caracterizados como abuso sexual;

 

Contudo, importante destacar que a mesma resolução 1.236/2018 do CFMV em seu artigo 5º, descreve situações consideradas maus-tratos:

Art. 5º - Consideram-se maus tratos:

I - executar procedimentos invasivos ou cirúrgicos sem os devidos cuidados anestésicos, analgésicos e higiênico-sanitários, tecnicamente recomendados;

II - permitir ou autorizar a realização de procedimentos anestésicos, analgésicos, invasivos, cirúrgicos ou injuriantes por pessoa sem qualificação técnica profissional;

III - agredir fisicamente ou agir para causar dor, sofrimento ou dano ao animal;

IV - abandonar animais;

a) deixar o tutor ou responsável de buscar assistência medico-veterinária ou zootécnica quando necessária;

V - deixar de orientar o tutor ou responsável a buscar assistência médico veterinária ou zootécnica quando necessária;

VI - não adotar medidas atenuantes a animais que estão em situação de clausura junto com outros da mesma espécie, ou de espécies diferentes, que o aterrorizem ou o agridam fisicamente;

VII - deixar de adotar medidas minimizadoras de desconforto e sofrimento para animais em situação de clausura isolada ou coletiva, inclusive nas situações transitórias de transporte, comercialização e exibição, enquanto responsável técnico ou equivalente;

VIII - manter animal sem acesso adequado a água, alimentação e temperatura compatíveis com as suas necessidades e em local desprovido de ventilação e luminosidade adequadas, exceto por recomendação de médico veterinário ou zootecnista, respeitadas as respectivas áreas de atuação, observando-se critérios técnicos, princípios éticos e as normas vigentes para situações transitórias específicas como transporte e comercialização;

IX - manter animais de forma que não lhes permita acesso a abrigo contra intempéries, salvo condição natural que se sujeitaria;

X - manter animais em número acima da capacidade de provimento de cuidados para assegurar boas condições de saúde e de bem-estar animal, exceto nas situações transitórias de transporte e comercialização;

XI - manter animal em local desprovido das condições mínimas de higiene e asseio;

XII - impedir a movimentação ou o descanso de animais;

XIII - manter animais em condições ambientais de modo a propiciar a proliferação de microrganismos nocivos;

XIV - submeter ou obrigar animal a atividades excessivas, que ameacem sua condição física e/ou psicológica, para dele obter esforços ou comportamentos que não se observariam senão sob coerção;

XV - submeter animal, observada espécie, a trabalho ou a esforço físico por mais de quatro horas ininterruptas sem que lhe sejam oferecidos água, alimento e descanso;

XVI - utilizar animal enfermo, cego, extenuado, sem proteção apropriada ou em condições fisiológicas inadequadas para realização de serviços;

XVII - transportar animal em desrespeito às recomendações técnicas de órgãos competentes de trânsito, ambiental ou de saúde animal ou em condições que causem sofrimento, dor e/ou lesões físicas;

XVIII - adotar métodos não aprovados por autoridade competente ou sem embasamento técnico-científico para o abate de animais;

XIX - mutilar animais, exceto quando houver indicação clínico-cirúrgica veterinária ou zootécnica;

XX - executar medidas de depopulacão por métodos não aprovados pelos órgãos ou entidades oficiais, como utilizar afogamento ou outras formas cruéis;

XXI - induzir a morte de animal utilizando método não aprovado ou não recomendado pelos órgãos ou entidades oficiais e sem profissional devidamente habilitado;

XXII - utilizar de métodos punitivos, baseados em dor ou sofrimento com a finalidade de treinamento, exibição ou entretenimento;

XXIII - utilizar agentes ou equipamentos que inflinjam dor ou sofrimento com o intuito de induzir comportamentos desejados durante práticas esportivas, de entretenimento e de atividade laborativa, incluindo apresentações e eventos similares, exceto quando em situações de risco de morte para pessoas e/ou animais ou tolerados enquanto estas práticas forem legalmente permitidas;

XXIV - submeter animal a eventos, ações publicitárias, filmagens, exposições e/ou produções artísticas e/ou culturais para os quais não tenham sido devidamente preparados física e emocionalmente ou de forma a prevenir ou evitar dor, estresse e/ou sofrimento;

XXV - fazer uso e/ou permitir o uso de agentes químicos e/ou físicos para inibir a dor ou que possibilitam modificar o desenampenho fisiológico para fins de participação em competição, exposições, entretenimento e/ou atividades laborativas.

XXVI - utilizar alimentação forçada, exceto quando para fins de tratamento prescrito por médico veterinário;

XXVII - estimular, manter, criar, incentivar, utilizar animais da mesma espécie ou de espécies diferentes em lutas;

XXVIII - estimular, manter, criar, incentivar, adestrar, utilizar animais para a prática de abuso sexual;

XXIX - realizar ou incentivar acasalamentos que tenham elevado risco de problemas congênitos e que afetem a saúde da prole e/ou progenitora, ou que perpetuem problemas de saúde pré-existentes dos progenitores.

Como se vê, o profissional da medicina veterinária possui papel fundamental no combate ao maus-tratos, crueldade e abuso animal, como DEVER profissional.

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